TI de Salto: 22 mulheres que contam sua história na tecnologia

Rompendo o ciclo da expressão “chama o menino da TI”, publicação TI de Salto chega em sua terceira edição contando com depoimentos de 22 mulheres que contribuem com soluções de blockchain, cloud, Big Data, cibersegurança, inteligência artificial e outras tecnologias. Com relatos emocionais, tem narrativas de mulheres que quebraram barreiras como o machismo para virarem grandes executivas no setor de tecnologia.

Apesar de não percebemos cotidianamente, nossa linguagem reflete aspectos culturais que foram construídos durante décadas. Quem já se questionou, por exemplo, sobre o uso comum do termo “menino do TI” ou “menino da computação” para se referir ao profissional do setor de tecnologia da empresa que resolve questões técnicas? Ao utilizarmos a expressão utilizando uma pessoa do gênero masculino, acabamos refletindo uma questão social.

De acordo com o IBGE, há uma enorme disparidade entre mulheres e homens nos cursos de graduação em áreas de exatas. Em 2019, somente 13,3% dos alunos de Computação e Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC) eram mulheres. Também segundo o IBGE, com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), no mercado de trabalho, somente 20% dos profissionais do setor de tecnologia são mulheres. Essa porcentagem é ainda menor se considerarmos as posições de liderança nos empreendimentos na área.

A pesquisa CIO Survey 2020, realizada pela KPMG em parceria com a Harvey Nash, indicou que apenas 16% das empresas de tecnologia da América Latina têm mulheres ocupando os postos mais altos de comando. Para justamente dar luz a essas brasileiras e incentivar outras tantas jovens a estudarem esses temas, a empresária Sylvia Bellio lançou, no último dia 08 de março de 2023, na Livraria da Vila, em São Paulo, o volume 3 do livro TI de Salto. Fundadora da itl.tech, empresa de infraestrutura de TI, e única mulher no país a fazer parte do conselho de empresas parceiras da Dell, a organizadora da publicação reúne grandes histórias femininas que estão interligadas com o desenvolvimento tecnológico do Brasil.

“As mulheres são minoria no setor de tecnologia e isso não significa que a contribuição delas é pequena, muito pelo contrário. A ideia do livro, que está chegando na terceira edição, é exaltar grandes trajetórias de pessoas que venceram o preconceito, o machismo, a desconfiança e até a autossabotagem para prosperarem e contribuírem com o desenvolvimento de novas tecnologias e, consequentemente, com o desenvolvimento do país”, argumenta Sylvia.

O pioneirismo das mulheres

TI de Salto: Volume 3 tem depoimentos, relatos, reflexões e contribuições de 22 mulheres (além de Sylvia) que fazem ou fizeram parte do mercado de tecnologia.

Beatriz Rinn, presidente da Blue Route e diretora de Tecnologia da Informação (CIO) na Cisa Trading S/A, iniciou a carreira como desenvolvedora de softwares. Com MBA em Blockchain Development, ela narra que sempre se interessou por matemática, lógica e desenvolvimento, áreas que sempre foram estereotipadas como masculinas.

Beatriz conta como trabalhou na implementação de sistemas de comércio exterior e como a partir da automação conseguiu transformar processos e deixar muito mais eficientes tarefas naturalmente burocráticas.

“Nas minhas equipes, identifiquei o potencial e dei oportunidade para inúmeras profissionais que atuavam em áreas não relacionadas a tecnologia. Ser capaz de enxergar o verdadeiro potencial daqueles ao seu redor é uma competência essencial para qualquer executivo e tenho muito orgulho de ter investido nestes talentos que hoje são analistas de negócios, desenvolvedoras e gestoras de times de tecnologia”, conta no livro.

A executiva Claudia Ferraz, que tem mais de 30 anos de carreira em tecnologia da informação, é outra mulher que contribuiu para o estabelecimento de importantes ferramentas tecnológicas que temos atualmente. Considerada o futuro de centenas de processos, a Inteligência Artificial (IA) é uma das “minas de ouro” da economia moderna e tem se popularizado cada vez mais por causa de plataformas como o ChatGPT.

Neste sentido, Claudia trabalhou com IA em 1990 e chegou a ter um time só de mulheres para implantar Business Intelligence em 1991. “Outro dia me perguntaram qual a minha esperança para daqui a cinco anos sobre mulheres na transformação digital. Respondi que esperava que falássemos somente sobre transformação digital, que o gênero da pessoa de TI não importasse, e sim a tecnologia”, diz.

Regina Santangelo é Head de Tecnologia e Operações, é pós-graduada em Gestão de TI e tem experiência em transformação digital. Relembrando a própria história, ela narra que fez curso técnico em Processamento de Dados no final da década de 80, quando o assunto ainda estava a algumas décadas de virar essencial para qualquer tipo de empreendimento.

Tendo uma jornada de bastante luta e persistência, no livro ela dá algumas dicas para que as mulheres batalhem por seu espaço: “Se prepare, fortaleça seu networking, tenha coragem de atravessar a rua, ensine e aprenda, seja persistente e ame o seu trabalho e tenha uma metodologia de gestão” estão dentre os conselhos.

Quebrando tabus

A introdução de TI de Salto: Volume 3 é de Rosandra Silveira, que tem 25 anos de experiência em posições de liderança e há 12 anos é executiva sênior em grandes empresas de tecnologia.

Na abertura do livro, ela afirma como apesar do evidente crescimento na inserção de mulheres em empreendimentos que atuam com tecnologia, ainda há uma grande disparidade de representação e de salário. Rosandra escreve que esse cenário é resultado inclusive de uma espécie de “preconceito biológico”.

Durante muito tempo, se imaginou que mulheres têm em sua programação genética a predisposição para atuar em áreas de cuidado humano e por isso se interessariam menos por assuntos de exatas. Na verdade, o que pesquisas feitas com crianças mostram é que não há essa discrepância de interesses. O que acontece é que a sociedade acaba reproduzindo estereótipos de gênero que afetam as meninas, que enxergam desde pequena que tecnologia é “coisa de menino”.

“Enquanto estereótipos de gênero persistirem incrustados em nossa cultura, esses sentimentos não desaparecerão”, defende Rosandra.

Fernanda Presidio Neubert, que é fundadora de uma empresa com quinze anos de mercado oferecendo soluções de Cloud, revela outro lado cruel não só do mercado de trabalho e do setor de tecnologia, mas também da sociedade: o machismo.

Em um relato intimista, ela lembra de uma empresa consorciada que era composta por um quadro 90% masculino. Ela narra que além do preconceito de gênero, que a afetava por ser uma mulher, ela ainda sofreu com a xenofobia pelo fato de ser nordestina.

“Além de lutar para construir uma empresa, precisei lidar com eles. É nisso que eu vejo que está a maior diferença: o homem não tem que superar essa barreira adicional, de se provar capaz apenas pelo fato de ser um homem”, conta.

A própria organizadora de TI de Salto: Volume 3, Sylvia Bellio, também é exemplo negativo de como as mulheres precisam quebrar diferentes barreiras para ganhar o respeito e receber tratamento igualitário. Ela realizou curso de eletrônica na adolescência e era a única mulher da turma, e já naquela época se questionava se não havia algo errado.

Na fase adulta e já como uma grande executiva, ela continuou sofrendo na pele essa dificuldade e até passou por situações de sexismo em reuniões executivas. Foi justamente essa vivência e o entendimento de que é preciso criar um repositório de narrativas femininas do setor de tecnologia que ela decidiu criar a série TI de Salto, que a essa altura já narra a história de quase 70 brasileiras.

Sylvia faz questão de ressaltar que todos os grandes enredos são cercados não só de muita luta, estudo e dedicação, mas também o apoio de outras grandes fontes de inspiração como mães, avós, amigas, tias, filhas e outras mulheres que serviram de exemplo.

“Além de inspirar outras pessoas mostrando grandes histórias, a nossa ideia é fazer com que as pessoas virem agentes de transformação da nossa realidade. Eu acredito que é preciso um esforço coletivo para conscientizar a sociedade sobre a importância de termos e respeitarmos as mulheres nesses espaços historicamente masculinos. Afinal de contas, é uma relação básica, pois sem as mulheres estamos perdendo uma enorme força criativa capaz de criar soluções tecnológicas que nós nem imaginamos”, finaliza.

Jornalista por formação e publicitária por profissão. Gosto de músicas, coisas asiáticas, gastronomia, beleza e comportamento. Passo as horas de folga atualizando as inscrições do youtube ou cozinhando guloseimas.
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